GOOOOOOLLLL! É de Gilberto Mendes!

Em Santos Football Music (1969), a teatralização da situação de performance orquestral é construída a partir da releitura que Gilberto Mendes realiza de ações, relações e sonoridades implicadas em uma partida de futebol. A ressignificação da sala de concerto como espaço cênico e a inserção do público no roteiro de ações para concretização da performance são os principais interesses composicionais que pautam meu diálogo com essa peça específica.


A leitura mais imediata ‒ e coerente com o que se sabe da intenção expressiva e recepção inicial ‒ é que a peça contém um episódio cênico. Entretanto, é possível considerar a teatralidade como dimensão estética de seu todo. Essa leitura remete primordialmente às escolhas composicionais de Gilberto Mendes para envolvimento do público.

O compositor age sobre os sentidos construídos pela disposição espacial dos envolvidos na performance. Na sala de concerto, a relação palco-plateia implica na separação entre o espaço de performance e o espaço de fruição. Traz consigo uma série de convenções sobre o tipo de atitude de atenção passiva a ser adotada pelo público, vedado de interferir na performance ou mesmo perturbá-la com sons ou ações espontâneas. No estádio, a relação campo-arquibancada envolve a expectativa de interação e, como nos clichês dos comentários esportivos, a torcida faz parte do espetáculo. Produz ruídos e reage, em tempo real, ao que acontece dentro do campo.


O envolvimento do público na performance, desde o espaço físico da plateia, subverte o sentido da relação de frontalidade na performance musical em salas de concerto. A experiência de teatralidade construída em Santos Football Music consiste em ver de dentro, como se estivesse vendo de fora, uma representação que ressignifica a relação palco-plateia como campo-arquibancada.

O envolvimento do público tem implicações para a natureza da experiência estética proporcionada pela peça. A descrição do compositor é a seguinte:
SANTOS FOOTBALL MUSIC um divertimento “alla Mozart”, dedicado aos meus filhos e ao Maestro Eleazar de Carvalho. [...] para orquestra, 3 ou 4 fitas magnéticas e participação do público ouvinte, em 2 partes: parte I - ensaio do público parte II - execução da música As duas partes constituem a música completa.
A necessidade de preparação prévia com o público é assimilada à estrutura da peça. O compositor interfere na relação a ser estabelecida com o público, subvertendo seu papel passivo na recepção de um concerto. Incorpora-se esse tempo de preparação ao tempo da experiência estética completa que o compositor pretende promover. O público assume uma corresponsabilidade com a execução, tendo toda a sua experiência de recepção mediada por um conhecimento parcial do que irá transcorrer e por uma atitude de atenção distinta da escuta usual em ambiente de concerto. O que destaco na abordagem de Mendes é justamente a operação de trazer essas relações para o âmbito das escolhas composicionais.

Comentários