Compor é uma coisa, falar sobre isso é outra!

Em ensaio publicado originalmente em 1960, o compositor estadunidense Elliott Carter comenta os objetivos expressivos e os procedimentos técnicos da música que compunha à época, especialmente o seu primeiro quarteto de cordas (ver vídeo ao final da postagem).

Carter faz questão de iniciar o discurso apresentando suas reservas sobre a capacidade do compositor de comentar de maneira relevante sua própria música.

Quando eu concordei em discutir os procedimentos rítmicos que eu uso na minha música, eu tinha esquecido, por um momento, as sérias dúvidas que tenho exatamente sobre esse tipo de discussão quando realizada pelo próprio compositor. Que um compositor possa escrever música que se considera de certo interesse não é, obviamente, nenhuma garantia de que ele pode falar sobre ela de maneira esclarecedora. É especialmente difícil para ele ser claro porque inevitavelmente suas composições são o resultado de inúmeras escolhas - muitas inconscientes, muitas conscientes, algumas feitas rapidamente, outras após longa ponderação, todas geralmente esquecidas uma vez que tenham cumprido seu propósito. Em um momento ou outro, essa ordenação e combinação de notas finalmente se torna uma composição. Naquele momento, muitas de suas concepções e técnicas tornaram-se quase uma questão de hábito para o compositor e ele está apenas vagamente consciente das escolhas que inicialmente os levou a adotá-las. Finalmente, em um esforço para julgar a obra como uma entidade, como outra pessoa a escutaria, ele tenta esquecer suas intenções e ouvir com ouvidos descansados. O que ele visa, afinal de contas, é uma unidade em que todo o funcionamento técnico é interdependente e se combina para produzir o tipo de experiência artística que dá a uma obra sua validade e, assim, torna seus procedimentos relevantes. Não há atalho para atingir essa relevância artística final. Nenhuma técnica tem muito valor intrínseco; sua importância para o compositor e seus ouvintes reside apenas no uso particular feito dela para promover as qualidades artísticas e caráter de uma obra real. Se ao discutir suas obras, portanto, ele assinala um procedimento, ele é obrigado a sentir que está chamando atenção para algo de importância secundária e, por insistir nisso, induzindo outros ao erro de pensar nisso como algo de importância primária.
Carter (1960) 


Longevo (1908-2012), prolífico (continuou escrevendo até o fim da vida) e premiado (dois prêmios Pulitzer), sedimentou uma linguagem harmônica e rítmica pessoal.


Comentários