Composição como dramaturgia?

Ao explorar a fronteira música-teatro, compositores da música de concerto pós-1960 deparam-se com a sensível questão da representação, ou seja, do significado atribuído às pessoas, objetos e ações no espaço cênico da performance.

A preocupação de  Aperghis, por exemplo, é com a interferência dos sentidos teatrais na experiência de escuta. Defende que a apreensão de soluções teatrais muito evidentes dá à recepção um caráter estático. O ouvinte/espectador contenta-se em solucionar o enigma, ao decifrar o que cada figura representa. As indicações do compositor grego em diversas de suas partituras e, especialmente, em obras como 7 crimes de l'Amour (1979) e Retrouvailles (2013), demonstram que não se trata de uma proposta para rejeitar a representação, mas sim de uma pista sobre sua abordagem ao lidar com ela. Aperghis constrói situações que parecem reais, mas que perdem sua realidade devido às manipulações composicionais da voz e dos gestos.





A questão é a persistência da mimésis, ou seja, da representação em propostas cênicas calcadas na performance, como as do teatro musical pós-1960.

A meu ver, para evitar a indesejável identificação de tipologias teatrais muito determinadas, o compositor não deve descartar, mas sim aproximar-se da dramaturgia, conforme ela passa a ser entendida na criação cênica pós-1960.

Nesse contexto, a composição aproxima-se da dramaturgia em dois sentidos.

O primeiro sentido é o da aplicação de critérios e procedimentos composicionais musicais às materialidades cênicas. As ações são organizadas e dispostas a partir de um pensamento voltado para os recortes no tempo, para a escolha de sons e silêncios pelo critério da expressividade e para a construção de um senso de coerência e direção.

O segundo sentido é o da admissão do potencial mimético (representacional) das materialidades sonoras e cênicas com as quais se compõe e do estabelecimento de dispositivos para que jogos de construção e deslizamento de sentidos se realizem na performance.

Em Speaking Drums (2013), de Péter Eötvös (n. 1944), concerto para percussão e orquestra, o jogo cênico constrói uma narrativa própria. Do primeiro ao terceiro movimento, o compositor vai da exposição pontual de palavras e células rítmicas correspondentes, à apresentação de vocalizações mais contínuas em relação de polirritmia com o acompanhamento percussivo. Esse processo de integração gradativa das vocalizações ao fluxo instrumental, simultaneamente, confere senso de direção ao percurso formal e desdobra a narrativa dos tambores falantes, sugerida pelo título da obra. 

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